Leituras
Textos
- Apresentação
2016
- Brasília: segregação e utopia na cidade moderna
- Notas sobre o ponto de inflexão "Aprendendo com Las Vegas"
- Notas sobre o Moderno: a(s) Carta(s) de Atenas e a emergência do Team X
- Notas sobre Ponto de Inflexão “Brás de Pina”
2009
- Cronologia do Pensamento Urbanístico
- Teoria Historiográfica e a Cronologia do Pensamento Urbanístico.
- Historiografia de Resistências ao Pensamento Urbanístico Hegemônico
Paineis
- Poster XIV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo - SHCU 2016, FAU/USP - São Carlos
- Poster XIII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo - SHCU 2014, FAUNB/UnB - Brasília
- Cronologia do Pensamento Urbanístico: recorte contemporâneo (Icaro Villaça e Diego Mauro - bolsistas IC)
Cronologias
- Cronologia das Cidades Utópicas (Adriana Caúla - anexo da tese de doutorado)
- Cronologia dos Documentários Urbanos (Silvana Olivieri - anexo da dissertação de mestrado)
- Cronologia da Habitação Social (Leandro Cruz - anexo da dissertação de mestrado)
- Cronologia de uma cidade enunciada (Osnildo Wan-Dall - Anexo da dissertação de mestrado)
Brasília: Segregação e utopia na construção da cidade moderna
Dilton Lopes de Almeida Júnior (mestrando PPG-AU/FAUFBA, bolsa CAPES/DS)
Karine da Silva Souza (graduanda FAUFBA, bolsa PIBIC-UFBA)
O projeto de pesquisa Cronologia do Pensamento Urbanístico é realizado pela equipe do Laboratório Urbano, coordenada por Paola Berenstein Jacques no PPG-AU/FAUFBA e pela equipe do Laboratório de Estudos Urbanos no PROURB/FAU-UFRJ, coordenada por Margareth da Silva Pereira. Recentemente, duas novas equipes passaram a colaborar com a pesquisa: o Cosmópolis, coordenado por Rita de Cássia Lucena Velloso no NPGAU/UFMG, e o Laboratório de Estudos da Urbe, coordenado por Ricardo Trevisan no PPG-FAU-UnB. Dadas as discussões geradas pelo andar da própria pesquisa, foram formados os subgrupos de pesquisadores a partir do que se denominou Pontos de Inflexão no pensamento urbanístico.
Inserido nas discussões sobre a história e sobre outras formas de pensar e narrar os fatos históricos,1 os Pontos de Inflexão surgem a partir da ideia da emergência de um fato, projeto ou publicação num contexto histórico específico que seja capaz de provocar debates no campo do pensamento urbanístico, fazendo romper contestações, equivalências, questionamentos e tensionamentos com outros fatos em tempos históricos distintos. No Ponto de Inflexão, o mais importante para a construção histórica são as relações existentes com os outros acontecimentos e debates. Para tanto, excede-se a ideia de uma ordem cronológica linear e evolucionista ao expor as conexões e contradições que se intercruzam para além de um único contexto histórico.
O estudo realizado tem como objetivos a aproximação e discussão acerca das circulações de ideias dentro do pensamento urbanístico no que tange a cidade moderna e seus desdobramentos na cidade contemporânea. O Laboratório Urbano realiza pesquisas e debates com a finalidade de divulgar as relações entre os diferentes Pontos de Inflexão e propor ao leitor do site um olhar crítico em relação aos acontecimentos do urbanismo, com a análise de diferentes autores, arquitetos e urbanistas.
A partir do processo de discussão da história e da historiografia relacionados à arquitetura e ao urbanismo, bem como de pesquisas e coletas de dados relativos ao assunto, foi possível iniciar a elaboração de verbetes relacionados ao Concurso de Brasília e seus rebatimentos em outros momentos históricos distintos. Isso possibilitou uma melhor compreensão da complexidade atrelada a alguns dos principais eventos na história do urbanismo. O Ponto de Inflexão Concurso de Brasília2 (construção da cidade moderna) tem por objetivo investigar como ocorreu o processo de formação e desenvolvimento da então capital do Brasil e seus rebatimentos, tensionamentos e críticas em outros momentos históricos.
Iniciou-se a proposta da construção da “nebulosa” para o Concurso para o Plano Piloto de Brasília tomando como ponto de partida a discussão historiográfica feita por Margareth da Silva Pereira.3 Foram elencados alguns fatos históricos, eventos e principais publicações que estavam relacionados à discussão em torno de Brasília e que foram organizados em um primeiro momento em formato de listas (foram agrupados conjuntos de fatos isolados, entre publicações, projetos, eventos, etc., a partir das suas relações específicas com o ponto de inflexão em questão). Em seguida foi-se redesenhando as listas, no desenvolvimento de verbetes, estrutura básica, assim como nos dicionários, que propicia o contato entre os usuários da plataforma online e o material desenvolvido pelos pesquisadores da Cronologia do Pensamento Urbanístico.
A partir dos primeiros verbetes desenvolvidos foi-se, de acordo com as relações de proximidade ou mesmo de contraposição entre os verbetes, agenciando o que seria uma primeira versão de nebulosa ou constelação de verbetes, sempre a partir de relações entre fatos históricos aproximados na emergência de debates específicos dentro do campo disciplinar. Nesse momento, percebeu-se a emergência de determinados agrupamentos de verbetes que possuíam certas relações de proximidade quando tangenciavam debates e discussões próprias ao pensamento urbanístico, esses adensamentos foram nomeados de “sub-nuvens”. Elencou-se as seguintes “sub-nuvens” para a nebulosa do Ponto de Inflexão em questão: José Bonifácio; Le Corbusier; CIAM’s, Lucio Costa; Outros Colocados; Cidades-satélites; Cidades Novas e Publicações. Essa primeira conformação da nebulosa contribuiu para a compreensão do panorama das discussões que estavam em debate com o Concurso, reafirmando-o enquanto um ponto de inflexão importante para o pensamento urbanístico.
Entende-se o Concurso para o Plano Piloto de Brasília como um Ponto de Inflexão por dois motivos. Primeiramente, a realização do Concurso se mostra relevante pois mesmo no âmbito nacional, abarca uma complexidade de propostas distintas que dialogam e tensionam discursos urbanísticos em diferentes localidades e diferentes temporalidades.4 Em seguida, vê-se a concretização da construção da cidade moderna, erigida sobe o preceito da tábula rasa e completamente nova. Uma nova capital dentro dos pressupostos modernos, em conformidade com o que era discutido nos CIAMs (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna), reforçando a ideia de um Brasil que deslancharia e acompanharia os países desenvolvidos. Apesar do urbanismo moderno já sofrer diversas críticas naquele contexto, a ideia de o país ser pioneiro em construir uma cidade completamente moderna era algo que garantiria relevância ao Brasil no contexto mundial. Ainda que nas outras propostas apresentadas no Concurso esteja presente uma crítica ao modernismo e ao movimento moderno-racional-funcionalista, o projeto vencedor, de Lucio Costa, retomou alguns princípios basilares do modernismo com uma poética e mítica própria para a nova capital do Brasil.
Com o ideal da construção de uma cidade moderna, Lucio Costa assume no projeto para Brasília a setorização do Plano Piloto, os pressupostos do urbanismo moderno – habitar, recrear, trabalhar, circular – apresentados nas diversas versões Carta de Atenas, documento relato das discussões que emergiram em torno do IV CIAM - A cidade Funcional. A concepção de Lucio Costa pode expressar uma valorização do espaço do transporte individual com uma proposta de teor rodoviarista, onde o automóvel é protagonista do espaço urbano e pode circular livremente em largas vias e por variados acessos em seu eixo rodoviário. Pode-se aqui atentar ao fato da grande influência da indústria automobilística americana nesse contexto histórico. Tomando a cidade de Nova York como exemplo, podem-se ver as grandes reformas urbanas propostas pelo prefeito Robert Moses. Quase contemporânea à própria construção de Brasília, vê-se a publicação, já em 1961, do livro Morte e vida de grandes cidades, da jornalista Jane Jacobs. O livro foi uma síntese e relato crítico aos processos de reurbanização e de planejamento urbano calcados nas propostas tãos discutida nos CIAMs.
Jacobs se mostra contra os ideais modernos e descentralizadores que tornam as cidades com sua multiplicidade e heterogeneidade em grandes espaços vazios, amplas áreas verdes e edifícios isolados. A autora acredita que essas formatações de cidade atingem diretamente o comportamento social. Com essa crítica, propõe a renovação urbana sem excluir e recalcar a diversidade dos usos da cidade. Jacobs critica o uso monofuncional e setorizado da cidade, além de ações cirúrgicas de demolições e remoções para implantação de grandes conjuntos habitacionais (que isolam pessoas) ou grandes vias. Para ela, as decisões tomadas para uma cidade saudável devem ter envolvimento dos moradores.
O projeto Cross Manhattan, defendido pelo prefeito Robert Moses, propunha a demolição de construções para a implementação de rodovias em Manhattan. Segundo ele “as cidades foram criadas por e para o tráfego. Uma cidade sem tráfego é uma cidade fantasma”. (MOSES, 1970, p. 308) Jacobs, apesar de defender as grandes cidades, é contra essa proposta pois acredita que esta não é a melhor solução para o desenvolvimento da cidade que deve ser pensada prioritariamente para as pessoas e não para o carro. Segundo Jacobs, as grandes áreas livres são inimigas das ruas e estes grandes espaços vazios podem ser vistos em projetos de Le Corbusier, e que acabam reverberando no desenho de Brasília. Sobre os impactos do pensamento de Le Corbusier no planejamento urbano, Jane Jacobs nos aponta:
A cidade dos sonhos de Le Corbusier teve enorme impacto em nossas cidades. Foi aclamada delirantemente por arquitetos e acabou assimilada em inúmeros projetos, de conjuntos habitacionais de baixa renda e edifícios de escritórios. [...] Ele procurou fazer do planejamento para automóveis um elemento essencial de seu projeto, e isso era uma ideia nova e empolgante nos anos 20 e início dos anos 30. Ele traçou grandes artérias de mão-única para trânsito expresso. Reduziu o número de ruas, porque “os cruzamentos são inimigos do tráfego”. [...] A cidade dele era como um brinquedo mecânico maravilhoso. Além do mais, sua concepção, como obra arquitetônica, tinha uma clareza, uma simplicidade e uma harmonia fascinantes. Era muito ordenada, muito clara, muito fácil de entender. Transmitia tudo num lampejo, como um bom anúncio publicitário. Essa visão e seu ousado simbolismo eram irresistíveis para urbanistas, construtores, projetistas e também para empreiteiros, financiadores e prefeitos. Ela deu enorme impulso aos “progressistas” do zoneamento, que redigiam normas elaboradas para encorajar construtores a reproduzir ainda que parcialmente o sonho. (JACOBS, 2000 [1961], p. 23)
Interessante notar as diferentes reverberações do pensamento de Le Corbusier também nos arquitetos brasileiros. Muito se deve ao fato do próprio arquiteto franco-suíço ter feito algumas viagens à América do Sul e ter trabalhado com alguns desses arquitetos em algumas ocasiões. A primeira dessas viagens, ainda em 1929, está atrelada ao movimento moderno e às vanguardas modernas no Brasil. Le Corbusier vem a convite do poeta Blaise Cendrars, seu amigo. Financiada por Paulo Prado, com quem troca algumas cartas, a viagem tem como finalidade, a princípio, a realização de algumas conferências em universidades brasileiras. Numa destas cartas, Corbusier revela o seu grande sonho de realizar o projeto da capital brasileira, então Planaltina, no Planalto Central do país. Um ano depois, ele apresentava o seu projeto para a Cidade Contemporânea para 3 milhões de Habitantes, a Ville Radieuse.5 A viagem de Le Corbusier ao Brasil resulta também numa série de propostas urbanas para o Rio de Janeiro, como, por exemplo, a de um extenso edifício que cruza a paisagem da cidade e atua como um bairro com ruas internas e avenidas nas coberturas.6
A segunda viagem ao país acontece em 1936, quando ele supervisiona o projeto do Ministério de Educação e Saúde (MEC-RIO). Para a realização deste projeto, é promovido um concurso cujo projeto vencedor (elaborado por Archimedes Memória) não agradou o então ministro da educação, Gustavo Capanema, que pede a Lucio Costa que realize o projeto. A proposta apresentada por Lucio Costa seguia claramente os princípios de racionalidade postulados por Corbusier, que fora então convidado para ser consultor do projeto. Na equipe responsável pelo projeto do MEC figuravam, ainda, arquitetos como Carlos Leão, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcellos e, inclusive, Oscar Niemeyer aparece, iniciando sua carreira.
É ainda nessa viagem que são realizadas algumas propostas para a inconclusa Universidade do Brasil. Duas propostas são apresentadas, uma de autoria do próprio Le Corbusier e outra do arquiteto italiano Marcello Piacentini. Ambas as propostas são descartadas e o projeto passou a ser realizado por Lucio Costa, que toma como referência os estudos de Le Corbusier. Aqui, é possível notar-se essa estreita ligação entre Corbusier e Lucio Costa. Lucio se dedicou, ainda, a estudar a evolução da casa brasileira e a identidade da arquitetura nacional, apresentando a tipologia moderna de traços corbusianos como o futuro natural de uma evolução a partir da casa colonial.
A busca por uma identidade nacional pode ser encontrada em outras obras, aparecendo, por exemplo, em seu projeto para Vila Monlevade, em Minas Gerais. Um elemento marcante tanto nos projetos de Corbusier quanto nos de Lucio Costa são os extensos eixos que aparecem no traçado de Brasília. A Vila Monlevade, assim como a cidade de Brasília, são projetos de cidades a serem construídas ex-nihilo, a partir do nada. O desejo de fundar cidades e projetá-las sobre amplas áreas vazias reforça a ideia da tábula rasa. O interior do Brasil, nesse sentido, era o lugar ideal para a construção dessa nova capital, por distintas motivações. Não por acaso, vê-se, em diferentes momentos históricos anteriores à realização do Concurso, o desejo de transferir a capital brasileira do litoral (inicialmente, Salvador e, posteriormente, Rio de Janeiro) para o interior do país.
Algumas dessas motivações de mudança aparecem desde o processo de colonização e reverberam o ideal de ocupação do interior do país. Em 1761, o Marquês de Pombal já falava sobre uma nova capital que estaria situada no sertão do país. O “patriarca da independência”, José Bonifácio, discute em 1823 a necessidade da nova capital, cujo nome seria Petrópole ou Brasília, e estaria localizada em Paracatu do Príncipe, em Minas Gerais. Em 1883, o padre Dom Bosco havia profetizado acerca de uma civilização que se iniciaria entre os paralelos 15º e 20º. Já em 1892, ocorre a Missão Cruls – Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil – durante o mandato do presidente Floriano Peixoto. Uma equipe começa a explorar o Planalto Central, que ainda era o cerrado não ocupado, e lança a Pedra Fundamental naquelas terras. A Comissão inicia o processo de estudo do Planalto Central para ser o futuro Distrito Federal. Após quase dois séculos, o então presidente Juscelino Kubitschek propõe a realização do Concurso para o Plano Piloto de Brasília.
A existência de uma tábula rasa pronta para tornar-se a nova capital instigava a vontade criativa de algo inovador que ainda não havia sido realizado no país. Pode-se tomar este fato como justificativa da variedade de distintas propostas para a capital. Megaestruturas, Cidade-Jardim, racionalismo, simetria, superblocos foram algumas das ideias presentes nos diferentes projetos do concurso e que carregam os princípios e debates difundidos nos diferentes CIAMs,7 como as ideias presentes nas próprias Cartas de Atenas8 ou em outros debates urbanísticos em contextos mais críticos ao movimento moderno. Neste concurso foram apresentadas 26 propostas, dentre as quais foram selecionados dois 5º colocados (João Vilanova Artigas e Milton C. Ghiraldini), dois 3º colocados (M.M.M. Roberto e Rino Levi), um 2º colocado (Boruch Milman) e o 1º colocado (Lucio Costa).9 O júri decide eliminar a 4ª colocação acreditando que dois projetos mereciam estar na 3ª colocação. O Concurso para o Plano Piloto emerge em meio a um contexto nacional de desenvolvimentismo ligado à indústria da construção e automobilística. O governo de Juscelino Kubitschek, com a proposta de realizar o avanço de “50 anos em 5” desejava marcar o Brasil e trazer uma identidade própria ao país “novo” que aí surgiria.
A partir deste momento, uma análise mais aproximada de algumas das propostas apresentadas para o concurso será de fundamental importância. O projeto de Joaquim Guedes e sua equipe interdisciplinar, apesar de não ter sido classificado entre os finalistas, desperta a atenção por sua proposta de negação dos elementos mais difundidos pelo movimento moderno. Guedes alinhava as críticas ao movimento moderno que emergiam no cenário internacional, inclusive dentro dos próprios CIAM’s com a formação crítica do Team X.10 Na proposta apresentada ao concurso a equipe de Guedes declara o “não” às unidades de vizinhança, garden cities, cité naturelle, new towns, satellite towns e policité, os preceitos urbanísticos mundialmente legitimados pelo movimento moderno. Além disso, constrói a proposta sob a ideia de interação dos conceitos de civis-cidadão-civilização, promovendo as relações humanas. Frente à cidade total, estabelece a flexibilidade e a expansão como princípios norteadores para a consolidação da cidade a ser construída. Apesar de sua crítica, o projeto não deixa de se mostrar relacionado ao movimento moderno. Uma especificidade é a sua proposta de expansão de transporte subterrâneo com estações a cada 1 quilômetro rodeadas por um centro comercial local, isso com o intuito de promover o transporte público como meio principal de mobilidade urbana. O júri considerou que a solução era justificável para cidades maiores, mas inadequada para Brasília. Um fato curioso salienta a distinção dessa proposta: um membro do Júri, Paulo Antunes Ribeiro, negou-se a entregar a Lucio Costa o primeiro lugar, sugerindo, em contrapartida, a realização de uma comissão mista dos dez primeiros colocados, acrescido o projeto do Joaquim Guedes, para a construção conjunta do que seria o novo projeto para Brasília. A proposta não foi aceita, mas reitera a singularidade das ideias defendidas e apresentadas por Guedes em seu plano.
O plano de Artigas aparece em 5º lugar. É um projeto de desenvolvimento regional, de baixa densidade e que busca unir o urbano e o rural com grandes espaços verdes. As zonas são claramente definidas e subordinadas à uma única malha de circulação viária. Sua definição geométrica contrasta com a natureza local e a ideia defendida pelo arquiteto era a de que essa conformação trabalharia num equilíbrio entre homem e natureza. Podem ser aqui apontadas algumas contaminações dos estudos e propostas de Frank Lloyd Wright, como a Broadacre City. Um dos maiores problemas apontados pelo júri foi sua baixíssima densidade, de apenas 50 habitantes por hectare.
O projeto de Rino Levi e sua equipe aparece em 3º lugar. Rino foi membro do CIAM e busca uma proposta urbanística que exceda o embelezamento da cidade e a proposição de um sistema viário. Ele busca uma intervenção urbanística que incorpore a distribuição demográfica e ultrapasse os pressupostos urbanísticos modernos comumente utilizados. Seu projeto buscar abranger a periferia da cidade, com crescimento polinuclear – o que remete ao urbanismo proposto pelo padre Lebret e a SAGMACS (Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais). Para Rino, a inserção da periferia na cidade levaria anos, então ele aproveita a oportunidade para desenvolver uma cidade polinuclear que permita agregá-la. O projeto potencializa princípios de habitação intensiva, com ruas elevadas, corredores de uso urbano, conforme pode ser observada nas propostas para as Unidades de Habitação e a Cidade Vertical, ambas com autoria de Le Corbusier11. É notória a monumentalidade da proposta devido ao gabarito dos núcleos habitacionais em lâminas, com 300 metros de altura. Estes edifícios, chamados por Rino de “bairros postos em pé”, proporcionam grandes densidades habitacionais. O setor de habitação extensiva, com residências unifamiliares, localiza-se nas extremidades do lago Paranoá, distante e quase fora da malha urbanística central. A proposta busca uma estética que contrasta a horizontalidade do planalto com a verticalidade dos edifícios, trazendo a monumentalidade para a nova capital.
O projeto dos irmãos M.M.M. Roberto ficou em 3º lugar e propõe uma cidade de crescimento orgânico com estrutura que permite que o crescimento dobre sem destruir o sistema urbano. O plano criaria uma fragmentação da cidade em polinúcleos com a eliminação de um grande centro. O crescimento da cidade se daria com a repetição do desenho poligonal, cada uma delas sendo pequenas cidades autônomas. A população máxima total do projeto excederia 1 milhão de habitantes. A equipe defendia e propunha os valores da vida humana acima da pura exibição monumental.12 Apesar de não inserirem um grande centro, traziam a ideia do core – o coração da cidade – discutida no CIAM VIII, em Hoddesdon, em 1951. Neste core estariam as funções administrativas da cidade. Buscava-se recuperar a qualidade das pequenas vilas a partir do conjunto polinuclear e autônomo das unidades urbanas.
Boruch Milman aparece em 2º lugar e sua proposta, assim como a de Lucio Costa, parte de uma implantação cruciforme, sendo que com eixo mais ortogonal. Desejava-se um urbanismo funcionalista. A cidade limitada e de tamanho reduzido garantiria uma “vida cotidiana melhor desenvolvida”, sendo outro projeto que implementou o zoneamento funcional. Nas quadras estariam residências de variadas extensões. Em sua proposta havia um projeto modular de zona residencial industrial para as cidades-satélites, uma preocupação que poucos projetos tiveram. Milman justificou as áreas vazias como espaços que permitiriam as expansões futuras.
Já a proposta de Lucio Costa, que venceu o concurso, surge a partir de um gesto da cruz que marca o terreno para em seguida se arquear em conformação com a topografia local. Em seu projeto, determina-se que em cada unidade de vizinhança (formada por quatro superquadras) estariam locadas áreas de comércio, escola, creche, clube; de um lado a via para os caminhões, do lado oposto a via para os automóveis e o espaço destinado ao cinema, que atualmente funciona como supermercados ou pequenos comércios. Cada superquadra é delimitada por barreiras verdes, cuja arborização cria privacidade e conforto. Este foi considerado pelo júri o método de crescimento mais prático de todos os apresentados.13 A entrega da proposta foi simples, sem detalhamento, mas o traçado da capital e as condicionantes de projeto atraíram a atenção, revelando um discurso mítico e técnico para a invenção de uma capital. Apesar de Brasília se mostrar como um projeto de ideias novas, seu projeto remonta e reúne diversos ideais urbanísticos anteriores às discussões do moderno. É possível observar reverberações da Cidade Linear, de Arturo Soria y Mata; a Cidade-Jardim, de Ebenézer-Howard, assim como a Cidade dos Motores, de José Sert.
A nova capital se distingue por sua estrutura urbana, que causa tanto a admiração quanto o estranhamento de quem a vê ou conhece. Surgem então as críticas à artificialidade de Brasília, à “cidade sem esquinas”,14 que teria provocado a “morte da rua”. Para aqueles que iam morar no Plano Piloto, a ideia de habitar uma superquadra – cujo endereço era determinado por quadra/bloco/asa – era uma grande novidade, assim como também era pouco usual a existência de edifícios estritamente regulados em seu uso e planta baixa. Esta novidade foi tornando-se costume daqueles que se propunham a morar ali, mas, ao mesmo tempo, excluía quaisquer outros modos de vida que não se adequassem àquela realidade socioambiental.
Apesar da acertada crítica feita a respeito da artificialidade em Brasília, como uma cidade planejada para a expropriação de qualquer encontro15 ou urbanidade, percebeu-se a existência de características, em algumas situações, onde a cidade fornece suporte para uma apropriação do espaço pelos cidadãos. O maior exemplo desse fenômeno é o que acontece na Plataforma Rodoviária. Projetada por Lucio Costa,16 a Plataforma foi localizada no principal cruzamento da cidade (entre o Eixão e o Eixo Monumental) e é o principal ponto de partida e chegada para as cidades e núcleos urbanos que se desenvolveram ao redor do plano-piloto e para o aeroporto. Por consequência disso, vê-se uma singularidade nesse espaço que escapa, inclusive, às intenções iniciais de projeto. Pode-se observar tal transformação quando Lucio Costa aponta, em um documento datado de 1985:
Eu caí em cheio na realidade, e uma das realidades que me surpreenderam foi a rodoviária à noitinha. [...] É um ponto forçado, em que toda essa população que mora fora, entra em contato com a cidade. Então, eu senti esse movimento, essa vida intensa dos verdadeiros brasilienses, essa massa que vive fora e converge para a rodoviária. Ali é a casa deles, é o lugar onde eles se sentem à vontade. [...] Isto tudo é muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro urbano, como uma coisa requintada, meio cosmopolita. Mas não é. Quem tomou conta dele foram esses brasileiros verdadeiros que construíram a cidade e estão ali legitimamente. [...] Eles estão com a razão, eu é que estava errado. Eles tomaram conta daquilo que não foi concebido para eles. Foi uma bastilha. Então eu vi que Brasília tem raízes brasileiras, reais, não é uma flor de estufa como poderia ser, Brasília está funcionando e vai funcionar cada vez mais. Na verdade, o sonho foi menor do que a realidade. (COSTA, apud KATINSKY; XAVIER, 2012, p. 144-160)
Para a construção da nova capital, operários de diversas regiões do Brasil se deslocaram de suas cidades-natal em busca das novas oportunidades que surgiam. Com a promessa de emprego e moradia, vieram aqueles que se passaram a chamar candangos. Muitos deles saíam de suas cidades em condição de pobreza e carregavam a esperança de construírem, além da nova capital, um novo futuro para o país e suas famílias. O contingente de operários não parava de crescer e a promessa de moradia não se cumpriu efetivamente, de modo que muitos destes trabalhadores foram submetidos à exclusão. Poucos candangos vinham com a família, mas é possível notar o registro de crianças e mulheres no canteiro de obras. Além disso, não havia equipamentos de segurança adequados, o trabalho era realizado com vestimentas comuns e as técnicas aplicadas pelos operários eram rudimentares. Desse fenômeno, surgiram os assentamentos do que mais tarde seriam chamadas de cidades-satélites:
Com esses trabalhadores o termo chegou a Brasília. Durante a construção da capital, entretanto, o seu sentido e o seu referente alteraram-se de modo fundamental. A campanha de recrutamento para Brasília identificava o novo construtor da nacionalidade como o “homem comum”. Colocou no palco principal, na ribalta das atenções e da fé nacionais, aqueles que antes haviam sido excluídos dos papéis principais no desenvolvimento brasileiro: os trabalhadores itinerantes, sem qualificação e sem instrução do interior; os déclassés e os empobrecidos; as massas de nordestinos, mineiros e goianos; os cultural e racialmente não-europeus; os trabalhadores avulsos de origem tanto rural quanto urbana que migram sazonalmente por todas as regiões do Brasil, conhecidos por termos como “cabeça-chata”, “pau-de-arara” e “baiano”. A campanha designou todos estes candangos como sendo participantes-chave de um novo pacto de desenvolvimento nacional. Alegando que Brasília iria “marcar a alvorada de um povo” [...]. (HOLSTON, 1993, p. 210, destaques originais)
As condições de trabalho eram sub-humanas e isso gerou, em algumas oportunidades, a revolta dos próprios candangos. Em consequência das revoltas, houve corte do fornecimento de água e retenção dos funcionários. O estopim deste processo foi o massacre da Construtora Pacheco Fernandes, causada pela retaliação de uma discussão motivada pela oferta de refeições estragadas. Na ocasião, a GEB (Guarda Especial de Brasília) foi chamada e os policiais agiram violentamente. Surgem variadas versões do ocorrido, que teria resultado em diversos feridos e mortos, mas os números divergem e as informações ainda permanecem ocultas. Além do massacre, havia as mortes silenciosas de operários que caíam das construções e eram imediatamente removidos, sendo a área limpa e os fatos não divulgados. Muitos dos candangos ocupavam assentamentos no próprio canteiro de obras, como no caso da Vila Amaury, que ocupou grande parte do local onde hoje está situado o Lago Paranoá. Porém muitos candangos foram locados nas futuras cidades-satélites. Elizabeth Bishop descreve esses assentamentos da seguinte forma:
Separados por quilômetros de vazio, uns poucos aglomerados de telhados podem ser vistos, colônias de empregados da construção e outros novos habitantes. O maior deles, de longe é o chamado Núcleo Bandeirante, um nome romântico, comumente conhecido como Cidade Livre. Foi inaugurado oficialmente em fevereiro de 1957, com quatrocentos habitantes, e agora tem - um fato incrível e animador – 45 mil. “Tudo de madeira”, disse o motorista, uma afirmação que ouvimos muitas vezes, porque num país altino feito de pedra, mármore, azulejo e gesso, uma cidade inteira construída deliberadamente de madeira é uma curiosidade. (BISHOP, 2014, p. 209)
O Núcleo Bandeirante,17 inicialmente chamado de Cidade Livre, foi uma das primeiras cidades-satélites onde os candangos encontraram possibilidades de moradia e onde pudessem viver sem as restrições impostas pelo Plano Piloto. Porém, as condições de moradia eram desfavoráveis e cooperavam para a formação de assentamentos precários. Muitas das cidades-satélites não eram oficializadas e, consequentemente, emergiam lutas dos candangos para continuarem nas terras onde conseguiram se estabelecer. O Núcleo Bandeirante surgiu como o local de chegada para os candangos, onde eles se instalaram e os primeiros comércios foram construídos. Foram dadas concessões de lotes aos comerciantes que construíssem comércios na frente do lote (voltados para a rua) e as casas atrás. Criava-se uma estreita relação entre os comerciantes e os moradores, já que os primeiros queriam manter e ter clientela por perto, e os moradores desejavam a permanência da cidade-satélite e seu comércio. Em dado momento, imaginou-se que ela deixaria de existir, mas a Cidade Livre ganhou força econômica, atendendo e dando suporte ao próprio Plano Piloto.
Taguatinga18 foi outra importante cidade-satélite que surge a partir da Vila Sarah Kubitschek. O nome da vila surge a partir de uma estratégia dos moradores de manter seus lotes, utilizando o nome da primeira dama para evitar a remoção, espalhando o boato de que os lotes haviam sido doados pela “Dona Sarah”. Temia-se que a GEB os removesse, e isso acabou ocorrendo. A resposta do governo foi a criação de Taguatinga onde seriam alocados os moradores da Vila. Segundo Aldo Paviani, “a criação de Taguatinga era apenas uma mudança geográfica de sua condição de exclusão.” (PAVIANI, 1996, p. 61)
A NOVACAP (Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil) intensificava a remoção das favelas para lugares mais afastados do Plano e as condições de moradia ainda eram as piores. A Campanha de Erradicação de Invasões, a CEI,19 em 1970, surge com o propósito de realizar tais remoções, e sua sigla nomeia o nome de uma das cidades-satélites que é criada após a remoção, a Ceilândia. Os moradores dos assentamentos receberam propostas de obterem uma casa em uma nova cidade-satélite. A divulgação da Ceilândia se deu por propaganda na televisão, na qual crianças apareciam cantando o jingle da campanha “A cidade é uma só”, incentivando a saída da invasão. Apenas 15 mil terrenos foram disponibilizados para os removidos. Foram prometidos terrenos em situações de habitabilidade, bem como a disponibilidade de serviços básicos, mas isso não ocorreu.
Enquanto Brasília se desenvolvia, as cidades-satélites expandiam-se pela região. As empresas privadas nacionais aproveitam o momento histórico para promoverem este sentimento pelo país, como a Esso, por exemplo, com “Moço… eu fiz essa cidade!”, anúncio para a inauguração de Brasília, de 1960, que reforça a ideia do candango como participante e pertencente à cidade construída por ele. O que se viu, entretanto, foi a construção de uma outra imagem para a cidade que servisse como modelo de cidade nova para o mundo. Elaborou-se a ideia de identidade nacional a partir de sua arquitetura monumental e de seus espaço vazios. As revistas eram importantes meios de comunicação, pois circulavam as fotografias que documentavam o surgimento da cidade. A Revista Brasília, por exemplo, se propôs a divulgar a nova capital para o resto do país. Além dos periódicos, as exposições foram grandes veículos de divulgação, como a exposição Brasilien Baut Brasília, ocorrida na Interbau de Berlim, em 1957. Era a primeira vez que Brasília era divulgada para a comunidade europeia.
Tendo em vista o principal objetivo da pesquisa, de trabalhar cada Ponto de Inflexão visando a estabelecer conexões entre os outros pontos, busca-se relacionar os diversos fatos da história do urbanismo, compreendendo como estes Pontos de Inflexão se ligam direta e indiretamente, entendendo o que torna cada um deles um fato que emerge em meio aos outros, e investigando seus desdobramentos. O intuito na Cronologia do Pensamento Urbanismo não é apenas criar verbetes de conteúdo, mas buscar essas relações entre os demais Pontos de Inflexão. Relativamente ao Concurso de Brasília, percebe-se essa ligação direta com as Cartas de Atenas, CIAMs, TEAM X e o ideal moderno e, mais indiretamente, com Barcelona e Las Vegas, pela questão da monumentalidade da cidade. O Ponto Brás de Pina, por sua vez, relaciona-se ao Ponto Concurso de Brasília através das remoções das favelas, dado que a Campanha de Remoção de Invasões de Brasília estreita-se com o papel desempenhado pela CHISAM (Coordenação de Habitação de Intenção Social da Área Metropolitana) no Rio de Janeiro.
Ainda que o site Cronologia do Pensamento Urbanístico se apresente como um banco de dados, seu principal intuito é promover um olhar crítico, tentando se desvincular das temporalidades regulares e trazer debates que não transpareçam nitidamente; trazer a fala de autores e vozes dissonantes e diversas ao longo dos anos e as diferentes análises propostas e perspectivas por eles apresentadas, avançando no sentido de promover a circulação de ideias. Para o desenvolvimento do Ponto de Inflexão Concurso de Brasília, a concentração da pesquisa foi pautada em agregar e reunir material para a produção de verbetes do site, sem deixar de criar as ligações entre os outros pontos. O objetivo buscado é o de fazer o debate e as questões que emergem em torno de Brasília extravasar em outras discussões, com as outras nebulosas, inclusive, relacionando e desvelando suas implicações, tensões e principalmente as suas disputas que são atenuadas ou apagadas nas formas cronológicas e evolutivas que a História da arquitetura e do urbanismo habitualmente legitima como modelo historiográfico.
Nebulosa
Figura 1: Primeira versão desenvolvida como nebulosa para o concurso do plano-piloto de Brasília. Fonte: Cronologia do Pensamento Urbanístico – Laboratório Urbano, PPGAU-UFBA
A partir do ponto de inflexão "Concurso de Brasília" surgem as discussões, observações e debates relacionadas a este fato originando as seguintes subnuvens que permeiam a nebulosa:
José Bonifácio e Missão Cruls; o estudo e exploração do Planalto Central no século XIX. Surgia o desejo de implantar a capital do Brasil no centro do país, afastado do litoral, o mais equidistante possível dos extremos do país.
Le Corbusier: a contaminação de seus projetos na construção de Brasília; o urbanismo e a arquitetura moderna que inspiraram Brasília; o projeto de Islamabad (Paquistão) que ocorre quase ao mesmo tempo que Brasília, suas decisões projetuais que se distinguem e, ainda assim, trazem questões semelhantes.
CIAMs, TEAM X e Carta de Atenas; como as discussões realizadas nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna enveredam o projeto de Brasília; os norteadores dos princípios da arquitetura moderna;
Lucio Costa; o autor do projeto vencedor e seus projetos pré e pós Brasília; suas inspirações para o projeto do Plano Piloto, suas referências nacionais e internacionais; como surge o desenho do Plano Piloto e seu objetivo;
Os outros colocados do Concurso para o Plano Piloto de Brasília; razões pelas quais os outros projetos se distanciavam do ideal buscado, distinções entre suas ideias e aquela proposta por Lucio Costa;
Cidades-satélites; a exclusão, a resistência, os movimentos sociais e as contradições da Nova Capital; a história das cidades-satélites, como estas sustentavam sua economia já que estavam segregadas do Plano Piloto; por que essas tornaram-se o ponto de chegada para os operários e desenvolveram-se até serem cidades oficializadas.
Cidades Novas; as principais cidades planejadas antes e depois de Brasília; principais Cidades Novas no Brasil e no exterior; influências e possíveis semelhanças com Brasília e o ideal moderno;
Publicações, Exposições e Eventos; as críticas e comentários à Brasília; as críticas às formas de projetos urbanos realizados pelo Movimento Moderno.
Notas
1 Retoma-se aqui a fala de Margareth da Silva Pereira: “Memória e História são narrativas que evocam experiências e temporalidades que não são nem lineares, nem cíclicas, mas também não são aleatórias e relativas. Na ação evocativa de reminiscências, a historiografia busca tomar distância crítica em relação tanto aos discursos coletivos sobre o vivido quanto às suas lacunas e, assim, aos seus modos de legitimação. Entretanto, nem a historiografia nem a posição do historiador são neutras. São práticas e lugares discursivos situados que, por sua vez configuram formas de linguagens e de leituras.” (PEREIRA, 2013, p. 16).
2 Cf. Verbete produzido e disponível no site Cronologia do Pensamento Urbanístico (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1) .
3 Cf. PEREIRA (2013).
4 A proposta de Lucio Costa é finalizada com a seguinte frase: “Brasília, capital aérea e rodoviária; cidade-parque. Sonho arqui-secular do Patriarca”, em referência ao patriarca Independência, José Bonifácio.
5 “As ruas são substituídas pelo que o arquiteto chama de ‘máquinas de circulação’, dispostas em diferentes níveis e abrigando cada uma um diferente tipo de transporte. Le Corbusier valorizava o automóvel e afirmava ainda que ‘arquitetura é circulação’. [...] O sistema de circulação da Ville Radieuse é uma complexa e trabalhada malha, com todas as suas interseções e cruzamentos.” (CAÚLA, 2008, p. 32-33).
6 Para as propostas de Corbusier em viagem para o Brasil: cf. Le Corbusier publica Précisions (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1595). Remetendo às megaestruturas que aparecem, posteriormente, com Reynan Banham, em 1976, ou, ainda, às propostas das vanguardas utópicas dos anos setenta e em algumas das cidades apresentadas por Rem Koolhas, como o projeto Exodus (cf. verbetesobre o projeto Exodus: (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1513).
7 Pode-se observar três diferentes momentos no decorrer dos Congressos: uma primeira fase mais ligada à língua alemã, uma segunda mais atrelada ao francês e ao pensamento de Le Corbuiser e a terceira de influência inglesa, com a formação do Team X durante o CIAM IX. O CIAM IX foi realizado na França em 1953 e discutiu a Carta do Habitat, revisando os próprios métodos adotados pela instituição do CIAM. A Carta em discussão aparece como decorrência da Carta de Atenas. Este CIAM foi composto por diversos membros jovens que, futuramente, comporiam o Team X, como Jaap Kakema, Aldo van Eyck e Georges Candilis. Os jovens participantes traziam à discussão a ideia de habitat na arquitetura moderna, bem como as relações humanas e culturais.
8 Deve-se atentar para o fato de existir diferentes versões e traduções para a mesma Carta. Por isso, escolheu-se, no presente texto, o emprego do conjunto, “cartas”, no plural.
9 Verbetes produzidos e disponíveis no site Cronologia do Pensamento Urbanístico, respectivamente, sobre o 2º, 3º e 5º lugares no Concurso para o Plano Piloto de Brasília (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1631) (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1609) (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1630).
10 Rememorar a formação, ainda no início dos anos 50, do grupo de jovens arquitetos no IX CIAM que deu origem ao grupo reconhecido como Team X, grupo que adotaria uma postura crítica e assertiva na revisão e questionamentos dos principais dogmas estabelecidos pelo próprio movimento moderno. Cf. verbete sobre o IX CIAM (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=205).
11 Cf. verbete sobre a Unidade de Habitação de Marseille. (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1384).
12 “Não acreditava, e nem acredito que uma capital seja um panteão. Acredito que uma capital, como qualquer cidade, é destinada a homens vivos e que a obrigação do planejador é procurar estabelecer as bases para a criação de comunidades felizes. [...] Não posso aceitar o conceito século XIX de ‘monumentalidade’. Julgo que o monumental pode ser atingido por caminhos mais sutis, não implicando no esmagamento estardalhaço do homem. Penso-o perfeitamente alcançável sem abandono da escala humana”. (MÓDULO, 1957, apud BRAGA, 1999, p. 156-157).
13 Segundo apreciação do júri, “o metódo de crescimento – por arborização, alguns caminhos e a artéria principal – é o mais prático de todos.” (MÓDULO, 1957, apud BRAGA, 1999, p. 158).
14 “Os brasilienses atribuem, com razão, essa falta de vida nas ruas a diversos fatores, como as enormes distâncias que separam de um prédio do outro, e a segregação das atividades em setores urbanos isolados. Mas a explicação mais comum é ao mesmo tempo a mais profunda. Brasília ‘não tem esquinas’. Essa observação aponta para a inexistência, em Brasília, de todo os sistemas de espaços públicos que a rua tradicionalmente instituem nas outras cidades brasileiras; para a ausência não só de esquinas e mas também de calçadas; onde se possa passar pelas fachadas de casas e lojas; para a inexistência de praças e das próprias ruas.” (HOLSTON, 1993, p. 113).
15 Se Brasília é pensada através das técnicas rodoviaristas que eliminam os cruzamentos, pode-se pensar que os cruzamentos presentes nas ruas também o são, e, por consequência, toda uma infinidade de relações imateriais são condicionadas a uma outra experiência.
16 Cf. verbete produzido e disponível no site Cronologia do Pensamento Urbanístico: (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1617).
17 Verbete produzido e disponível no site Cronologia do Pensamento Urbanístico: (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1602).
18 Verbete produzido e disponível no site Cronologia do Pensamento Urbanístico: (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=77).
19 Verbete produzido e disponível no site Cronologia do Pensamento Urbanístico: (http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1625).
Referências
BISHOP, Elizabeth. Prosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
BRAGA, Milton. O Concurso de Brasília: os sete projetos premiados. São Paulo, 1999. 164 p. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
CAÚLA, Adriana. Trilogia das utopias urbanas: urbanismo, HQ’s e cinema. 2008. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
HOLSTON, James. A cidade modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia. Trad. Marcelo Coelho, São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Trad. Carlos S. Mendes Rosa. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000 [1961].
MOSES, Robert. “A city without traffic is a ghost town”. In: Robert Moses public works: a dangerous trade. New York: McGraw Hill, 1970, p. 308-312.
_____. Brasilia: moradia e exclusão. 1. ed. Brasília: EDITORA UNB, 1996.
PEREIRA, Margareth da Silva. O lugar contingente da história e da memória na apreensão da cidade – O historiador, o estrangeiro e as nuvens. Redobra, Salvador, n. 12, dez. 2013, p. 16-18.
XAVIER, Alberto; KATINSKY, Julio Roberto (Orgs.). Brasília: antologia crítica. São Paulo: Cosac Naify, 2012. (Coleção Face Norte, v. 14)
--
Revisão do texto: Osnildo Adão Wan-Dall Junior