1957
Brasil, Distrito Federal
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Cidades Novas, Estética Urbana, Interesse Social, Movimentos Sociais Urbanos, Participação, Planejamento Urbano, Requalificação, Espaço Público, Desenvolvimentismo
Colaborador
Dilton Lopes
Citado por: 1
A Proposta apresentada pelo arquiteto Joaquim Guedes, em conjunto com Liliana Guedes, Domingos de Azevedo e Carlos Milan, para o Concurso para o Plano Piloto de Brasília não foi reconhecido como finalista entre os projetos vencedores. Porém destacou-se dentre os demais planos apresentados, levando a Paulo Antunes Ribeiro, então membro do Júri e defensor da proposta de Guedes, a recusar-se associar ao julgamento dos projetos vencedores. Destacam-se no projeto de Guedes influências do Urbanismo Moderno (a base da proposta esteve calcada na ideia de Cidade Linear, assim como o projeto vencedor de Lúcio Costa) com reverberações de um pensamento crítico contemporâneo encontrado nas discussões dos Smithsons e do TEAM X.
Diferentemente da proposta de Costa, a malha urbana e viária para a capital brasileira previa o sistema metroviário subterrâneo como grande transporte de massa para a população. Notamos ainda um pensamento de cidade idealizada para o cotidiano das pessoas e também enquanto organismo vivo e dinâmico. Nota-se por exemplo uma preocupação com uma possível expansão metropolitana dadas às condições sociais e urbanas interpretadas pelo conjunto de arquitetos. Esses pontos dão singularidade frente a todas as propostas apresentadas no concurso.
Aline Moraes Costa, 2002:
O arquiteto Paulo Antunes Ribeiro não concordou com o processo de avaliação dos projetos apresentados, anexando seu voto em separado à ata final da comissão julgadora do concurso de Brasília. Ribeiro expôs sua contrariedade alegando irregularidades na seleção dos planos, feita num tempo record de dois dias e meio, onde nem sequer os memoriais descritivos haviam sido lidos. Dos 26 trabalhos apresentados, foram escolhidos 10 deles. Para amenizar sua insatisfação, Ribeiro sugeriu a formação de uma só equipe com os autores desses 10 projetos pré-selecionados, acrescentando-se a eles um décimo-primeiro plano, o dos arquitetos Joaquim Guedes, Liliana Marsicano Guedes, Carlos Millan e Domingos de Azevedo, para a elaboração de um novo projeto. Essa proposta foi negada pelos outros participantes do júri.
COSTA, Aline Moraes, (Im)possíveis Brasílias: os projetos apresentados no concurso do plano piloto da nova capital federal, Campinas, SP: [s.n.), 2002.
Paulo Antunes Ribeiro, 1957:
Para finalizar, no intuito de colaborar construtivamente para solução da questão, sugiro, entretanto, que os dez trabalhos separados no primeiro dia, acrescidos de mais um, o de número 11 (onze) na numeração a giz; fossem constituídos como a equipe vencedora do concurso, sem classificação, organizando-se dessa forma, uma grande comissão encarregada de desenvolver o plano de Brasília. Neste caso o assunto estaria resolvido com justiça e a contribuição de todos se faria sentir. São estas as declarações que posso oferecer como meu voto e que serão levadas ao conhecimento do Conselho Diretor do I.A.B.
Yves Bruand, 1991:
Nessas condicões, não é curioso pensar que Paulo Antunes Ribeiro, o único membro do júri que recusou associar- se ao julgamento que deu o primeiro lugar a Lúcio Costa, foi precisamente quem tentou recuperar esse plano, sumariamente descartado durante o exame preliminar concluído pela pré-seleção de dez trabalhos?
Mônica Junqueira Camargo, 2000:
Ante a crise do urbanismo internacional e das proposições racionalistas das Carta de Atenas, os jovens arquitetos apresentaram o plano de uma cidade aberta, linear e vertical, baseada na realidade da vida cotidiana, no transporte coletivo de massa e com autonomia e estrutura para crescer.
[...] Guedes entende a atividade de planejamento como um processo contínuo, uma vez que as cidades são formações abertas, dinâmicas e dificeis de entender, que não se adptam a medidas de caráter restritivo. Por isso ele acredita ser mais eficiente a criação de uma instrumentação legal coerente, flexível e hábil, que, por meio de um conjunto de estímulos e de incentivos, seja capaz de apoiar o desenvolvimento urbano, econômico e social do municipio, em detrimento da implantação de um modelo rígido a ser seguido por um longo período de tempo. O sucesso duma ação de planejamento urbano, segundo Guedes, depende de uma compreensão correta da estrutura administrativa municipal, em suas várías ramificações separadamente, bem como dos graus de harmonia e eficiência entre elas.
Joaquim Guedes, 2000:
Era um absurdo querer limitar a cidade. Porque, ou ela teria energia e pressão para crescer, e ninguém seguraria, ou ela nem chegaria lá. Nos demos conta de que a população inicial de empregados federais, mais escola, mais abastecimento, mais transporte, mais hospitais e saúde, chegava a quinhentos mil habitantes. Como é que pode? Fica rígida? Não cresce mais? Então pensamos: isso é um organismo vivo, ninguém segura. Essa frase: ‘a cidade é um organismo vivo’ passou. É como uma criança, uma estrutura capaz de crescer.
GUESDES, Joaquim. in ANELLI, Renato Luiz Sobral. A cidade contemporânea: uma conversa com Joaquim Guedes. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 099.02, Vitruvius, ago. 2008 .
Renato Luiz Sobral Anelli, 2008:
A análise específica de Brasília apontava para a nova situação familiar que seria decorrente da forte presença da mulher trabalhando como funcionária pública. O modo de criar os filhos estando a mulher fora de casa o dia todo seria o ponto de conexão com a situação israelense, na qual os filhos não moravam com os pais e sim em escolas ao lado das unidades de habitação.
Joaquim Guedes, 2007:
“A escola dava tudo para a criança, cultura, médico, comida e sono. Então as crianças passavam na escola o dia todo. Quatro horas da tarde elas vinham para casa, quando os pais voltavam do trabalho. Então essa relação pai e filhos se dava em um regime de sonho. [...] Eles só ficavam com os pais naquelas três horas de prazer entre quatro e sete da noite e depois voltavam para a escola para dormir. Nós ficamos maravilhados com isso, pois as vezes os adultos tinham um quartinho pequeno, onde nem eles conseguiam receber os filhos – recebiam em salões, em lugares em que eles conversavam, comiam. Então era toda uma sociedade em que o espaço era desenhado para uma certa condição familiar em uma certa condição de economia. [...] a disputa pelos pais naquela ‘hora dos pais’ era dura, que as crianças se agitavam, urravam, os pais jogavam bola com os filhos, liam – era um paraíso. Então eu achei que aqui poderia ser assim. Por isso a questão da criança, a creche, o ensino primário e secundário, era ao lado dos apartamentos, no nosso projeto, para dar chance para desenvolver qualquer coisa assim. Essa idéia de organização da concentração veio mais disso do que de paixão pelo prédio alto”.
Renato Luiz Sobral Anelli, 2008:
Este relato ilustra alguns pontos importantes sobre a posição de Guedes na arquitetura e no urbanismo brasileiro. A aproximação com a realidade que ele contrapõe a um certo idealismo (formal e ideológico) que estaria presente nas correntes hegemônicas da Arquitetura Moderna Brasileira, não seria uma submissão de caráter liberal ou populista às imposições da sociedade. Guedes propõe instrumentos de interpretação da realidade para a construção de propostas que a transformem. Mas o faz sobre bases de pesquisas que ele atribui à sua experiência com Lebret e ao seu estudo da obra de Le Corbusier, com a qual teve contato através das Obras Completas, livros trazidos pela irmã de sua esposa Liliana em 1952. É natural, portanto, que faça um tributo às duas marcantes influências: “E isso tudo vinha da independência com que o Le Corbusier (também do próprio Lebret, com as análises de necessidades) nos ensinava a pensar. Sou muito grato a eles”.
Joaquim Guedes, 2007:
O país tinha 60 milhões de habitantes e 50% de população urbana. Constituída uma equipe multidisciplinar, passamos ao estudo da massa de análises muito completas dos sítios, e estudar e refletir sobre a cidade na história sobre área em torno da futura capital e nos perguntar o que fazer. O edital pedia projeto para uma cidade administrativa de 500.000 habitantes, logo percebemos que a população inicial da cidade pronta com funcionários federais e seu séqüito de apoio atingiria aquela população que, portanto, deveria crescer ao triplicar a população do país em 40 anos.
A teoria urbana “oficial” limitava a cidade. Porém, ao analisar o processo de assentamento naquelas condições seria compatível por módulos, por exemplo, de 30 mil habitantes dimensionados em função de fração indeslocável de crianças de 0 a 3, e jovens até 14, de pequeno raio de ação independente, 1o. grau. Acima desse corte a população principal adulta conviveria principalmente em um único grande centro diversificado de escala metropolitana contendo escolas de 2o. grau, universidade, administração federal, o Centro de Comércio e Serviços, hotéis, museus e serviços culturais, Centro Esportivo Metropolitano, tudo em torno a um parque de 19km2, apto a receber um sistema de transporte rápido de massa, em nível, semi-enterrado e elevado na área central, um sistema viário linear para aproveitar em termos de transporte urbano todas as oportunidades da aglomeração, provavelmente inevitável.
Tudo para fazer uma cidade vertical aproximando usos por concentração econômica de infra-estrutura, pensando necessidades, investimentos, quantidades de espaço e forma, impondo-se estudos para definir posteriormente espaços sociais e públicos de tipo novo, compatíveis com os novos sistemas de transporte, o provável desaparecimento da rua ocidental, destacando-se propostas referenciais do os ingleses A e P.Smithson e Team X, e da unidade de habitação de Marseille para nova organização de comércio e serviço locais. Afirmamos com medo de sermos apedrejados que “a cidade é um organismo vivo” e propúnhamos que pudesse crescer sem sufocar a área central, por uma periferia circundante, à imagem da estrutura vertebral de uma criança. Ao contrário, com o progresso técnico o lago seria transposto e o crescimento além lago permitiria uma expansão gráfica ilimitada. Em 1965 chega ao Brasil o livro de J. Jacobs “MORTE E VIDA...” com frase idêntica, mas propondo uma volta romântica a unidades sociais limitadas e integradas.