1956
Brasil, Distrito Federal
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Português
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Cidades Novas, Planejamento Urbano
Colaborador
Jiovana Santana / Karine Souza
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Proposta já em 1823 por José Bonifácio de Andrada e Silva, a criação de uma nova capital do Brasil no interior do país começa a se realizar em setembro de 1956, com a publicação do edital para o "Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil" no Diário Oficial da União, por determinação do presidente Juscelino Kubitschek.
O objetivo do edital era promover o desenvolvimento do projeto a ser utilizado na implantação da nova capital. Foram inscritos 26 projetos, tendo sido classificado em primeiro lugar o projeto apresentado pelo arquiteto e urbanista Lúcio Costa, fortemente embasado pelos princípios da Carta de Atenas de 1933.
A proposta de Rino Levi para o Plano Piloto de Brasília obteve o 3° lugar. Nesta proposta observa-se o quanto as habitações são importantes,colocando-as no mesmo patamar de importância do que a monumentalidade das sedes do governo.
Renato Anelli, 2001
"A concepção de cidade polinuclear, já presente nas aulas de Edilizia Cittadina, recebia o alento das reflexões sobre a expansão de São Paulo. Em seu depoimento, Roberto Cerqueira César relembra que essa ideia de um urbanismo polinuclear veio do Padre Lebret, que constatou que a cidade de São Paulo estava se polinuclearizando, pois havia atingido um tamanho no qual um núcleo único já não atendia mais às demandas, e começou a desenvolver espontaneamente núcleos secundários. Acrescenta, ainda, que essa era uma idea mais ou menos universal, não era só nossa aqui no Brasil. Antes de Lebret, Anhaia Melo já defendia um posição semelhante, ainda tenho como objetivo a limitação da expansão metropolitana (Anelli, 2001, p.223)."
[...]
"O superbloco desenvolvido pela equipe de Rino Levi potencializa os princípios de habitação intensiva, expressos nas unités d'habitation, de Le Corbusier, de que derivam até mesmo os grandes corredores concebidos como ruas elevadas. Como já observou Nestor Goulart Reis Filho, para reproduzir nos grandes corredores elevados a intensidade do uso urbano, o esquema de circulação era associado à instalação de serviços, para torná-los pontos de permanência dos usuários, procurando transpor para a vertical, apenas para uso dos pedestres, as antigas malhas viárias horizontais das pequenas cidades e dos velhos bairros. A cuidadosa definição dos fluxogramas de circulação e dos organogramas de distribuição dos usos era fundamental para favorecer uma estrutura urbana capaz de criar condições de sociabilidade derivada das encontradas nas cidades tradicionais (idem, ibidem, p.224).
[...]
"O plano parece alcançar o objetivo da integração do cotidiano urbano e os imensos edifícios propostos. As distâncias são reduzidas e o terreno é transformado em um grande jardim. Segundo os autores, o projeto para Brasília prendia mesclar os benefícios da cidade pequena, alcançados através dos núcleos dos superblocos, com as vantagens da cidade grande, trazidas pelo centro comum. "A ênfase da equipe de Levi se concentrava na criação de uma nova urbs e não de uma civitas, versão antípoda da abordagem de Lúcio Costa, para quem Brasília deveria se apresentar não apenas como urbs, mas como civitas, possuidora dos atributos inerentes a uma capital (idem, ibidem, p.225).
Célia Castro Gonsales, 2002
[...] Projetada para um território desimpedido, sem história e sem memória, como destaca o próprio arquiteto - "condições que permitiam realizar uma concepção absolutamente livre, sem todo o complexo de limitações e de imposições próprias dos estudos para zonas densamente habitadas", numa situação propícia à construção da "cidade moderna funcional", Brasília se tornará o grande "manifesto" - talvez o único -, da carreira de Rino Levi. Um manifesto que estabelece, por um lado, a habitação como protagonista absoluta da cidade moderna e, por outro, a urbe como lugar por excelência de experimentações das potencialidades das novas técnicas construtivas.
A cidade de Rino Levi constitui-se claramente baseada nos princípios conceituais da cidade funcional e totalmente planejada de Le Corbusier e da Carta de Atenas: separação radical do pedestre e automóvel - a palavra "rua" é substituída por "caminho de pedestres" e "auto-estrada"; uniformização do tipo de moradia definida por blocos verticais, isolados, mas concentrados em zonas de alta densidade.
[...]No projeto são previstos setores de habitação intensiva e extensiva. O setor de habitação intensiva desenvolve-se ao redor do centro urbano, comportando a maioria da população - em um experimento extremo da concepção de cidade concentrada de Le Corbusier. Este setor é dividido em seis conjuntos de 48.000 habitantes, cada qual com centro distrital próprio. A população de cada conjunto é abrigada em 3 superblocos de 16.000 habitantes. Cada superbloco é dividido em 4 unidades de 4000 habitantes, com seus serviços complementares. Os 288.000 habitantes do setor de habitação intensiva estão distribuídos numa superfície inferior a 1000 hectares, alcançando uma densidade de 288 hab./ha. O setor de habitação extensiva, com residências unifamiliares, localiza-se ao longo dos braços do lago, fora do esquema urbanístico principal. [...]
[...] Levi inclusive enfatizaria, no memorial do projeto para Brasília, a necessidade de que cada núcleo fosse "autogovernado, gozando de certa independência e possuindo todos os serviços de que necessita". Isto permitiria à população "usufruir assim de todas as vantagens das pequenas comunidades sem prejuízo dos indiscutíveis benefícios das cidades de grandes proporções".
[...] O projeto de Rino Levi, ao oscilar entre dois pólos - o extremo destaque do edifício e certa intenção de fechamento - reflete o que nos diz Colin Rowe sobre a proposta de Le Corbusier para St. Dié: "o dilema do edifício isento, o ocupante de espaço que trata de atuar como definidor espacial (...). Uma espécie de acrópole que tratasse de funcionar como uma versão de ágora!" 6 Contudo, apesar da tentativa de prover a cidade de aspectos mais fenomenológicos através do resgate de alguns conceitos do espaço urbano tradicional, a cidade de Rino Levi é essencialmente abstrata e necessita da distância para ser apreendida como confirmam as vistas sempre longínquas e panorâmicas com que o projeto é apresentado. [...]
Rino Levi esclarece que, para evitar a impressão de monotonia, mas manter o conceito de elementos repetitivos reúne os edifícios em vários agrupamentos - compostos por blocos que têm sua impressão de proximidade acentuada devido à configuração de núcleos - que serão distribuídos no terreno de modo a criar variedade de relações entre os mesmos. Mas ainda que, à primeira vista, nos núcleos de Levi pareça existir certa contenção do espaço, isto na realidade não ocorre devido à grande distância entre os blocos - 800 metros - e à estratificação em planos paralelos, estratégia compositiva recorrentemente utilizada por Levi.
[...] A proposta de Lúcio Costa, apesar da adaptação à topografia, ao escoamento natural das águas e, segundo palavras do autor, à melhor orientação, continua sendo bastante clássica: configurada a partir de um triângulo equilátero que define a área urbanizada, o plano não prevê nenhum crescimento, é estático. A cidade apresenta-se como uma obra arquitetônica acabada que não pode ser submetida a qualquer alteração.
Já o plano geral de M. M. M. Roberto, composto de unidades autônomas, é totalmente descentralizado e a cidade se apresenta como um conglomerado de pequenas cidades. Por não apresentar formalmente qualquer acabamento referente ao todo, apresenta, teoricamente, possibilidades ininterruptas de crescimento através da multiplicação das "partes". O conjunto adapta-se à topografia e ao contorno do lago, e a forma geral é aleatória, não aparecendo nenhum sistema normativo - geométrico, matemático, etc. O componente clássico do plano mostra-se nos núcleos totalmente planejados, racionalizados e imutáveis, e o ícone utópico está representado na forma circular, centralizada. Com um dos ministérios no centro e os demais edifícios da cidade desenvolvendo-se ao redor de maneira uniforme, cada unidade/célula é urbanisticamente acabada e geometricamente definida.
[...] O projeto de Rino Levi, como no modelo teórico corbusiano - Ville Radieuse -, parte de uma proposta formal conceitualmente clara, de um tipo: um sistema ortogonal de vias praticamente homogêneo, mas que, ao determinar um centro geométrico, estabelece uma estrutura concêntrica que se traduz urbanisticamente em núcleos-partes ao redor de um centro-coração - e em contato direto com este.
[...] E sobre a reconquista por parte do homem do ato de caminhar em meio a áreas verdes, Levi declara que o megaedifício - um "bairro posto em pé" -, que proporciona grandes densidades populacionais, possibilita trajetos a pé por toda a cidade, pois "a maioria da população habita num raio de pouco mais de um quilômetro em torno do centro urbano".
Para dar forma ao "espírito da modernidade", Levi e sua equipe levam às últimas consequências as possibilidades da técnica. A "euforia" tecnológica é estampada nas megaestruturas de trezentos metros de altura propostas para os edifícios de habitação, e assim a moradia estabelece os parâmetros conceituais-plásticos da nova cidade. [...]
Aline Moraes Costa Braga, 2011
"[...] Levi aponta para a necessidade da elaboração de um plano diretor que abrangesse, inclusive, a periferia da cidade, ação que levaria anos, em consequência dos problemas políticos e burocráticos atrelados a ela. Nessa época, então surge a oportunidade de implantar seus ideais através do concurso de Brasília, projeto para o qual desenvolveu uma cidade polinuclear."
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"A cidade era compacta e todos os habitantes deveriam percorrer no máximo um km até o centro (distância percorrida a pé). Segundo Levi, essa estrutura foi concebida de acordo com as necessidades físicas, espirituais e sociais da população, tendo em vista o desenvolvimento da consciência de grupo e um senso de determinação própria e espírito cívico."
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"No entanto, sua ousadia foi considerada tamanha que julgavam duvidosa a intenção dos autores de implantar o seu plano piloto. Críticos como Evenson (1973) e Bruand (1971) trataram esse projeto como um exercício teórico do que poderia vir a ser uma cidade do futuro, ou ainda, como estudo para situações onde o congestionamento populacional criasse uma alta demanda de terra, a exemplo dos japoneses contemporâneos. Segundo Evenson (1973), o desenho de Rino Levi parece ter intenções de resolver problemas improváveis de existir na nova capital. Braga (1999) nos relata que, apesar das especulações que tramitavam no concurso, o grupo pretendia levar a cabo suas concepções, visto que elaboraram um detalhamento estrutural bastante convincente. Segundo depoimento de Paulo Bruna: "Os arquitetos definiram o seu projeto convictos de que o Concurso teria sido preparado para a vitória de Lúcio Costa, mas que durante a fase de desenvolvimento dos trabalhos passaram a acreditar na possibilidade de serem os vencedores, em razão de uma suposta mobilização da indústria siderúrgica nacional em seu favor, interessada em difundir o uso do aço na construção civil brasileira. Essa talvez tenha sido a razão para que apresentasse um projeto com tamanho arrojo e desprendimento das soluções ortodoxas" (Braga, 1999, p.154).
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"O plano piloto transpôs a malha horizontal da cidade para um sistema vertical. Organizaram os centros cívico, cultural e comercial, numa zona de construção baixa, na parte central e, ao redor deste, dispuseram superblocos com 300 metros de altura (tamanho similar ao da torre Eiffel) organizados de três em três. Esses edifícios elevados alojariam as habitações e serviços de uso comunitário como creches, comércio local e praças, uma interpretação vertical das superquadras. Em contrapartida, havia um relativo isolamento do Governo Federal, situado em posição periférica ao lado da margem do lago. Em contraste ao edifício padrão da maioria das cidades, nas quais o centro comercial ocupa construções elevadas e as habitações são geralmente de baixa densidade, Levi criou um esquema no qual o centro comercial foge do convencional, ocupa baixas densidades e está encoberto pela sombra das unidades habitacionais de 300 metros de altura. Os princípios da cidade vertical já havia sido discutidos por Le Corbusier, mas no caso do projeto de Levi e seus associados foram foram interpretados de uma maneira inédita."
"Na época do concurso, a ideia visionária do projeto de Rino Levi surpreendeu os críticos e o público em geral. "Trata-se de um uma concepção ambiciosa, de alcance plástico surpreendente, cuja presença no concurso, serviu para demonstrar mais uma vez a capacidade de nossos profissionais e sua constante evolução no rumo de novas e corajosas soluções" (in: Brasília, 1957, p.10).
"A mais dramática concepção de Levi foi a casa em altura. Justificando sua escolha de uma cidade vertical, Rino Levi relatou no memorial descritivo: "Pode impressionar com um para que? a altura dos edifícios, dos superblocos. O planejamento é dirigido exatamente para condicionantes resolutivas prévias dos problemas da cidade comum, da cidade obsoleta" (Levi, in Habitat nº 40/41, 1957, p.7).
BRAGA, Aline Moraes Costa Braga. "(IM)POSSÍVEIS BRASÍLIAS: Os projetos apresentados no concurso do Plano Piloto da Nova Capital Federal. São Paulo: Alameda, 2011. 402p.